A música “ONU Mengão é Nação”, de autoria de Leandro Oliveira (Som do Mengão), nasce como um hino de reivindicação cultural, não só um canto de arquibancada. É a trilha sonora de uma tese ousada: a de que o Flamengo excede o futebol e se apresenta como fenômeno sociocultural com ambição de reconhecimento internacional.
O refrão “Ô ONU, pode escutar” é provocação calculada. Convoca uma instituição global a ouvir a rua brasileira — e, de quebra, transforma burocracia em narrativa popular. É a arquibancada pedindo a palavra no plenário.
Quando o verso evoca Zico como “Rei” e um “Imperador” para comandar, não é só homenagem: é construção de mitologia. A canção articula heróis, feitos e memória, do Maracanã ao planeta, como quem monta um dossiê afetivo de patrimônio imaterial.
A cifra “mais de quarenta milhões” funciona como argumento político. Em cultura, volume vira evidência: número não é só estatística, é legitimidade social. Quem ousa ignorar um coro desse tamanho?
Há também anticorpos na letra. “Se disser não, nada vai mudar” admite que chancela é detalhe diante da prática social. A polêmica é parte do plano: o Flamengo questiona se o selo precisa se curvar ao fato cultural — e não o contrário.
Musicalmente, a cadência é típica de canto de massa: repetição, slogans, pausas para o grito explodir. É design emocional. A canção foi feita para ser cantada, filmada, viralizada — e, claro, para incomodar quem acha que futebol deve ficar no seu canto.
O verso “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo” liga presente e tradição. Não é só nostalgia; é rito de passagem entre gerações. Isso, sim, é linguagem de patrimônio: práticas, símbolos, costumes que o tempo consagrou.
Críticos dirão que há megalomania e marketing. Há mesmo — e daí vem a força. A canção não disfarça ambição; assume que quer palco global para uma identidade que já é global no cotidiano.
Também há política pública nas entrelinhas. Ao traduzir paixão em demanda por reconhecimento, a música pressiona a gramática oficial do patrimônio a considerar torcidas como comunidades culturais legítimas, com seus rituais, cantos e heróis.
No fim, “ONU Mengão é Nação” é manifesto. Se a instituição escuta ou não, a canção já cumpriu seu papel: organizou a emoção em tese, fez a tese virar pauta, e recolocou o futebol no centro do debate cultural — onde ele sempre esteve, queiram ou não.